Katharina Ilsa Adelheid Von Tifon, esse é o meu nome; eu nasci num ventoso dia de 9 de Fevereiro, um vento morno para aquele Fevereiro, calmo, carregado dos cheiros quentes e gordos das farturas e salsichas a fritar e pastéis de nata polvilhados de canela e preparados ali mesmo à beira da estrada que dividia as colinas e falésias dos bosques verdes, prontos para brotar, destes, lindas flores e ervas, que, dentro de semanas, derreteriam perante as novas brisas de Carnaval, com coloridos confetis chuviscando sobre colarinhos e puxos e rolando por entre as valetas como um antídoto imbecil ao Inverno. Havia uma excitação febril nas multidões alinhadas ao longo da larga rua principal, que costumava ser uma estrada secundária, de pescoços esticados para verem os cabeçudos e os desafinados acordeões a tocarem num compasso binário, nos seus descompassados tons de festa, cobertos de um cheiro a crepe e a alecrim, que prenuncia uma alegre Primavera; os saltimbancos, centauros, demónios e outras engraçadas e ridículas criaturas, tocando clarinetes e trombones, num ambiente folgazão, arrastando fitas e flores de papel. Cantorias e outras alegorias típicas dos povos da Cidade Perdida, que vinham saudarem os senhores do ducado, os meus pais. Ludwig, o meu irmão mais velho, de dez anos então, ele observava, empoleirado entre as grades de ouro, com os seus olhos azuis arregalados, segurando um balão amarelo numa mão e um martelo de brincar na outra, entre um saco cheio de soldados de chumbo do império alemão e um cão de peluche negro, com olhos de azeviche feitos de botões, triste. Já tinha assistido a muitas outras festas, mas aquele dia, era sem dúvida, para ele, especial. Era um cortejo fenomenal: duzentas pessoas a desfilar, umas a tocarem instrumentos, outras a cantarem canções festivas típicas da época, palhaços sobre andas, milhares de artistas, demónios, gigantes coloridos, com carantonhas de ogres horríveis e caras cobertas de pus, majoretes com fatos atrevidos e encarnados, de bastão na mão, reluzindo ao Sol entre as nuvens cintilantes da manhã.
Contudo, aos dez anos, o mundo retém um lustro especial. Acho que Ludwig sempre fora, dentro do seu coração, um palhaço de várias cores e alegres, mas é claro, que, uma vez, mais, se tornaria, como ele odiava desde pequeno, ser um triste e gelado soldadinho de chumbo, que dispararia, muitas vezes, a sua arma.
Graças a Deus que ele não viveu aquelas desgraças, mas é por isso mesmo que estou a contar-te a minha vida, e não a do meu irmão.
Uma carroça de madeira, decorada à pressa com dourados e crepe, e vermelhos e cenas de contos de fadas.
A cabeça de um dragão num escudo, Rapunzel com uma peruca de lã, uma sereia com umas lantejoulas que fazem lembrar jade, uma casa de biscoito de gengibre toda coberta de baunilha e natas de chocolate quente, que as crianças aproveitam para tirar as migalhas, felizes.
Um bruxo de cabelos vermelhos como o fogo agita as unhas desmesuradamente longas, cinzentas, como prata, em direcção a um grupo de fadinhas insuspeitas…Aos dez anos, é possível perceber subtilezas inalcançáveis um ano mais tarde. Atrás do papel, da cobertura, do cheiro forte a chocolate, jasmim e a açúcar, ele ainda conseguia ver o verdadeiro feiticeiro, a verdadeira magia. Levantava os olhos para um homem de para aí cinquenta, ou na casa dos trinta ou trinta e seis anos, estes olhos de Ludwig eram grandes e que eram de um azul tão profundo quanto o próprio oceano que nos circunda, brilhando naquele dia em particular.
- A minha irmãzinha, ela já nasceu?.. – O homem, vestido de uma cor aparentemente luxuosa, de uma púrpura espantosa, e lustroso, com uma capa de pele de urso, confortável, e com falcões (o símbolo da família) em renda de ouro cobrindo um fundo azul-escuro. Os olhos frios, azuis-claros, grandes, e amendoados, quase rasgados, brilham num raro carinho, e com um sorriso por detrás dos bigodes acastanhados, louros, surge um sorriso, que o filho apanha, debruçado, de cavalitas nos ombros fortes do pai. O monóculo de cristal cai sobre um bolso, e, à beira do rapaz e do homem, está um gato branco, persa, que ronrona nas pernas de uma mulher loura, e com olhar sardento e doce, acompanha a música alegre num trautear francês, Spectinha, a criada da família, que trata de Spiegel, o gato do Duque, o meu pai, que é o homem alto de aspecto mestiço de raças, metade nórdico, metade japonês, dai os olhos rasgados claros e a pele pálida, quase amarela.
Acho que este deveria ser um dia feliz para o meu pai. Ele tenta lembrar ao meu irmão que fale em Bellante, pois não gosta muito de ouvir a língua alemã.
E, com aquele ar impaciente que qualquer pai ficaria quando está prestes a nascer um filho. Os anéis amargos do tabaco que vinha, saído suavemente sobre o cachimbo de mogno escuro espalhavam-se por entre os outros cheiros, mas este era um pequeno e nervoso, horrível aroma.
Spiegel andava de um lado para o outro, abanando, por vezes a sua felpuda e branca cauda, enquanto os olhos azuis do dono olhavam, de uma maneira quase sem paciência para esperar, dardejando de encontro ao sumptuoso palácio, lá, ao longe.
O meu pai fumava o seu cachimbo como quem estava num estado de hipertensão, e, numa velocidade apressada e mal calculada – nada normal no seu comportamento – chupava, com uma deselegância impressionante, o tabaco, soprando-se em baforadas descontroladas e meio agitadas. Agora é importante sublinhar que este homem, de um metro e noventa e esquelético, com uma excelente figura na sua comprida túnica azul-escuro e púrpura com bordados de fios de prata com dragões e águias desenhados nesta roupa de Duque e um manto do qual já referi a descrição, e uma bengala de mogno escuro, com a cabeça de falcão em marfim, era uma pessoa bastante discreta.
Sendo novo para um bruxo da sua idade, parecia-o ainda mais. Era alto, esguio, ficando muito elegante nas suas capas, mantos, botas pesadas e outros toalhetes de bruxo da alta nobreza. O rosto dava-lhe um aspecto amalucado, e na verdade, toda a gente estava ansiosa com o nascimento do bebé. Uma coisa mágica estava para acontecer, e, como era óbvio, tal como acontecia noutras coisas, o gato do famoso, quase fanático, prestigiado Duque Adrian Friedrich Von Tifon, imitara o dono, ao ver que, precisamente nessa hora, nasceriam os gatinhos de Spiegel e da Angelika, uma linda gata siamesa, que toda a família acarinhara com grande amor e alegria. Seria bom ter mais alguns membros para a família. Mas, agora, tudo estava nas mãos do destino.
E as pessoas: são muito parecidas com todas as outras que a minha família conheceu pela Bellanária fora: talvez demasiado morenas nesta luz de Sol abrasador do Atlântico, com um sorriso na cara, e parecem com olhos castanhos ou verdes, geralmente, hospitaleiros.
As muitas crianças, com cores esvoaçantes de amarelo, castanho e bege, são da mesma raça.
Ninguém olha para a nossa casa, era como se fôssemos invisíveis, mas, de certa maneira, estivéssemos lá, como que entidades divinas, a olhar por todo aquele povo. Talvez, perguntando-me na minha tenra idade, ao tentar desenvolver os meus poderes no ventre da minha mãe, fossemos isso, representantes dos Deuses nesta Cidade, nesta cidade perdida entre as areias do tempo.
As pessoas da Cidade Perdida aprenderam a arte da observação evitando olhar nos olhos. Sentia o olhar deles, como que um sopro vindo de lá de fora, estranhamente sem hostilidade, mas ainda assim, frio. A escuridão que penetrava no interior do corpo da Sra. Duquesa – não é mais que uma pequena centelha da vida que, em breve, viveria – e, tanto para mim, como para eles, aquilo, era, sem dúvida, uma curiosidade.
Eles, eles viam-nos como uma parte negra e uma parte luminosa, um equilíbrio que balançava, correctamente, as suas vidas, num fio invisível entre a morte e a alegria, a tristeza e a harmonia, a guerra e a paz, o velho e o novo, a luz e a escuridão.
A toalha que outra empregada trazia estava quente e gordurosa, como uma fartura de trigo é estaladiça nas pontas, mas saborosa no meio. A parteira era uma mulher gorducha e ruiva, com óculos de lentes grossas, e uma cara enrugada por detrás de uns olhitos de safira, que escondiam uma satisfação e comoção perante a minha vinda ao mundo. Piscava o olho a Ludwig, que, por vezes, espreitava por debaixo do buraco da fechadura da sala de baile. Com o outro olho, anota cada pormenor, sabendo que mais tarde, virão as perguntas e os comentários. Já era muito experiente naquelas coisas. Já faltavam poucas horas.
- Olhe, minha senhora, se precisar de mais alguma coisa, é só chamar, porque eu sou a milhore questo negózio. – Tem um sotaque italiano, romano, e dentro do ventre da minha mãe, eu consigo ouvir a sua brusquidão de interior.
- Um bem-haja para a menina, Menina Riccia. – A voz da minha mãe é de um barítono grave e severo, mas com um ar doce e cansado, num ar muito rápido, com uma tendência para acrescentar “ls” em tudo o que é sitio. Logo vi que era arábica, e foi por isso que gostei muito dela.
Sibila, outra empregada, é muito mais calma, e murmura, talvez, o anterior “acidente” entre Sua Excelência e a Sra. Duquesa.
Ludwig fora um vergonhoso “acidente”, mas o Duque ficara muito orgulhoso desse “acidente”!...
Após algum tempo de espera, as portas abrem-se, e toda a alegria entra pelo ducado fora: é uma menina, e o nome dela será a “papoila de Verão” – Katharina.
Contudo, aos dez anos, o mundo retém um lustro especial. Acho que Ludwig sempre fora, dentro do seu coração, um palhaço de várias cores e alegres, mas é claro, que, uma vez, mais, se tornaria, como ele odiava desde pequeno, ser um triste e gelado soldadinho de chumbo, que dispararia, muitas vezes, a sua arma.
Graças a Deus que ele não viveu aquelas desgraças, mas é por isso mesmo que estou a contar-te a minha vida, e não a do meu irmão.
Uma carroça de madeira, decorada à pressa com dourados e crepe, e vermelhos e cenas de contos de fadas.
A cabeça de um dragão num escudo, Rapunzel com uma peruca de lã, uma sereia com umas lantejoulas que fazem lembrar jade, uma casa de biscoito de gengibre toda coberta de baunilha e natas de chocolate quente, que as crianças aproveitam para tirar as migalhas, felizes.
Um bruxo de cabelos vermelhos como o fogo agita as unhas desmesuradamente longas, cinzentas, como prata, em direcção a um grupo de fadinhas insuspeitas…Aos dez anos, é possível perceber subtilezas inalcançáveis um ano mais tarde. Atrás do papel, da cobertura, do cheiro forte a chocolate, jasmim e a açúcar, ele ainda conseguia ver o verdadeiro feiticeiro, a verdadeira magia. Levantava os olhos para um homem de para aí cinquenta, ou na casa dos trinta ou trinta e seis anos, estes olhos de Ludwig eram grandes e que eram de um azul tão profundo quanto o próprio oceano que nos circunda, brilhando naquele dia em particular.
- A minha irmãzinha, ela já nasceu?.. – O homem, vestido de uma cor aparentemente luxuosa, de uma púrpura espantosa, e lustroso, com uma capa de pele de urso, confortável, e com falcões (o símbolo da família) em renda de ouro cobrindo um fundo azul-escuro. Os olhos frios, azuis-claros, grandes, e amendoados, quase rasgados, brilham num raro carinho, e com um sorriso por detrás dos bigodes acastanhados, louros, surge um sorriso, que o filho apanha, debruçado, de cavalitas nos ombros fortes do pai. O monóculo de cristal cai sobre um bolso, e, à beira do rapaz e do homem, está um gato branco, persa, que ronrona nas pernas de uma mulher loura, e com olhar sardento e doce, acompanha a música alegre num trautear francês, Spectinha, a criada da família, que trata de Spiegel, o gato do Duque, o meu pai, que é o homem alto de aspecto mestiço de raças, metade nórdico, metade japonês, dai os olhos rasgados claros e a pele pálida, quase amarela.
Acho que este deveria ser um dia feliz para o meu pai. Ele tenta lembrar ao meu irmão que fale em Bellante, pois não gosta muito de ouvir a língua alemã.
E, com aquele ar impaciente que qualquer pai ficaria quando está prestes a nascer um filho. Os anéis amargos do tabaco que vinha, saído suavemente sobre o cachimbo de mogno escuro espalhavam-se por entre os outros cheiros, mas este era um pequeno e nervoso, horrível aroma.
Spiegel andava de um lado para o outro, abanando, por vezes a sua felpuda e branca cauda, enquanto os olhos azuis do dono olhavam, de uma maneira quase sem paciência para esperar, dardejando de encontro ao sumptuoso palácio, lá, ao longe.
O meu pai fumava o seu cachimbo como quem estava num estado de hipertensão, e, numa velocidade apressada e mal calculada – nada normal no seu comportamento – chupava, com uma deselegância impressionante, o tabaco, soprando-se em baforadas descontroladas e meio agitadas. Agora é importante sublinhar que este homem, de um metro e noventa e esquelético, com uma excelente figura na sua comprida túnica azul-escuro e púrpura com bordados de fios de prata com dragões e águias desenhados nesta roupa de Duque e um manto do qual já referi a descrição, e uma bengala de mogno escuro, com a cabeça de falcão em marfim, era uma pessoa bastante discreta.
Sendo novo para um bruxo da sua idade, parecia-o ainda mais. Era alto, esguio, ficando muito elegante nas suas capas, mantos, botas pesadas e outros toalhetes de bruxo da alta nobreza. O rosto dava-lhe um aspecto amalucado, e na verdade, toda a gente estava ansiosa com o nascimento do bebé. Uma coisa mágica estava para acontecer, e, como era óbvio, tal como acontecia noutras coisas, o gato do famoso, quase fanático, prestigiado Duque Adrian Friedrich Von Tifon, imitara o dono, ao ver que, precisamente nessa hora, nasceriam os gatinhos de Spiegel e da Angelika, uma linda gata siamesa, que toda a família acarinhara com grande amor e alegria. Seria bom ter mais alguns membros para a família. Mas, agora, tudo estava nas mãos do destino.
E as pessoas: são muito parecidas com todas as outras que a minha família conheceu pela Bellanária fora: talvez demasiado morenas nesta luz de Sol abrasador do Atlântico, com um sorriso na cara, e parecem com olhos castanhos ou verdes, geralmente, hospitaleiros.
As muitas crianças, com cores esvoaçantes de amarelo, castanho e bege, são da mesma raça.
Ninguém olha para a nossa casa, era como se fôssemos invisíveis, mas, de certa maneira, estivéssemos lá, como que entidades divinas, a olhar por todo aquele povo. Talvez, perguntando-me na minha tenra idade, ao tentar desenvolver os meus poderes no ventre da minha mãe, fossemos isso, representantes dos Deuses nesta Cidade, nesta cidade perdida entre as areias do tempo.
As pessoas da Cidade Perdida aprenderam a arte da observação evitando olhar nos olhos. Sentia o olhar deles, como que um sopro vindo de lá de fora, estranhamente sem hostilidade, mas ainda assim, frio. A escuridão que penetrava no interior do corpo da Sra. Duquesa – não é mais que uma pequena centelha da vida que, em breve, viveria – e, tanto para mim, como para eles, aquilo, era, sem dúvida, uma curiosidade.
Eles, eles viam-nos como uma parte negra e uma parte luminosa, um equilíbrio que balançava, correctamente, as suas vidas, num fio invisível entre a morte e a alegria, a tristeza e a harmonia, a guerra e a paz, o velho e o novo, a luz e a escuridão.
A toalha que outra empregada trazia estava quente e gordurosa, como uma fartura de trigo é estaladiça nas pontas, mas saborosa no meio. A parteira era uma mulher gorducha e ruiva, com óculos de lentes grossas, e uma cara enrugada por detrás de uns olhitos de safira, que escondiam uma satisfação e comoção perante a minha vinda ao mundo. Piscava o olho a Ludwig, que, por vezes, espreitava por debaixo do buraco da fechadura da sala de baile. Com o outro olho, anota cada pormenor, sabendo que mais tarde, virão as perguntas e os comentários. Já era muito experiente naquelas coisas. Já faltavam poucas horas.
- Olhe, minha senhora, se precisar de mais alguma coisa, é só chamar, porque eu sou a milhore questo negózio. – Tem um sotaque italiano, romano, e dentro do ventre da minha mãe, eu consigo ouvir a sua brusquidão de interior.
- Um bem-haja para a menina, Menina Riccia. – A voz da minha mãe é de um barítono grave e severo, mas com um ar doce e cansado, num ar muito rápido, com uma tendência para acrescentar “ls” em tudo o que é sitio. Logo vi que era arábica, e foi por isso que gostei muito dela.
Sibila, outra empregada, é muito mais calma, e murmura, talvez, o anterior “acidente” entre Sua Excelência e a Sra. Duquesa.
Ludwig fora um vergonhoso “acidente”, mas o Duque ficara muito orgulhoso desse “acidente”!...
Após algum tempo de espera, as portas abrem-se, e toda a alegria entra pelo ducado fora: é uma menina, e o nome dela será a “papoila de Verão” – Katharina.
1 comment:
muito bem uma bruxa nascida num berço de ouro um post muito muito intressante eu acho curioso uma bruxa ser rica uma bruxa muito chique e in lol lol lol assim é que é até uma bruxa tem de ser fashion certo?
lol as tuas histórias são fantásticas adoro le-las sempre que poder paasso por aqui mas sabes como é aulinhas depois tenho muitas outras coisas para fazer cabeleireiro e tal sim porque se ate uma bruxa anda na moda eu tambem tenho de cuidar do meu estilo e como eu ja te disse é muito dificil ser eu nem imaginas lol lol lol
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